Os retratos têm esse poder curioso de nos hipnotizar, ora pelo olhar distante, ora pelo gesto insinuante, ou mesmo pela história que sussurram. Vamos dar uma volta por sete deles que fazem a gente pirar, cada um à sua maneira, do Renascimento ao século XX.
Prepare-se para encarar narizes, vegetais, modas e... até febres fatais.
Retratos de Federico da Montefeltro e Battista Sforza (1467-1472), de Piero della Francesca 👃🏻
Piero della Francesca criou um dos dípticos mais emblemáticos do século XV. Nele, o duque Federico da Montefeltro e sua esposa Battista Sforza são retratados com olhares indeterminados, quase sem vida. De um lado, a austeridade do vermelho do duque; do outro, o esplendor das pérolas e das sedas de Battista. Ao fundo, um horizonte contínuo e idealizado.
A escolha do perfil não foi apenas uma tecnicalidade, mas uma preferência particular do cliente. Federico havia perdido a visão do olho direito em um torneio. Para não ficar em desvantagem, mandou retirar o osso do nariz para melhorar o campo de visão. Uma solução engenhosa.
O Alfaiate (1565-1570), de Giovanni Battista Moroni ✂️
Giovanni Battista Moroni retratou um homem comum com tamanha dignidade e naturalismo que revolucionou o gênero do retrato profissional. Vestido modestamente, tesoura em mãos, ele nos encara com a segurança de quem sabe seu ofício.
Moroni não só registrou a figura do trabalhador, mas também quebrou a ideia de que apenas a elite merecia ser imortalizada em óleo sobre tela. Um manifesto de que a arte pode representar a todos.
Vertumnus (1590-1591), de Giuseppe Arcimboldo 🥒
Imagine um imperador se deixando retratar com cabeça feita de frutas, flores e vegetais. É exatamente isso que Arcimboldo fez com Rodolfo II, criando um retrato embebido no cômico e burlesco. A ideia era representar o monarca como um ser quase divino, capaz de incorporar os ciclos da vida.
Na mitologia romana, Vertumnus é o deus das estações, da mudança e da frutificação, associado à capacidade de transformação e à fertilidade da natureza. Ele é conhecido especialmente por seu romance com Pomona, deusa dos pomares, a quem conquistou por meio de múltiplas metamorfoses.
Retrato de Luís XIV (1701), de Hyacinthe Rigaud 👑
O retrato oficial do ancien régime. Em meio à ostentação e teatralidade, a obra reproduz a masculinidade da época, em que o rei usa peruca e salto alto.
Luís XIV surge envolto no manto de coroação com flores-de-lis e vestes da Ordem do Espírito Santo com o Grande Colar e a meia de seda, símbolos de nobreza e tradição. A mão sobre o cetro invertido e a espada na cintura simbolizam o poder judicial e militar. O corpo do monarca é só um detalhe na construção do poder visual de uma obra que grita absolutismo para quem quiser ouvir.
Retrato de Ira Aldridge (1826), de James Northcote 🎭
Ira Aldridge foi um ator shakespeariano afro-americano que conquistou a Europa. Em uma época em que artistas negros eram frequentemente excluídos do palco, Aldridge conquistou reconhecimento internacional por interpretações marcantes de personagens como Otelo, Lear e Macbeth.
Neste retrato, Northcote confere ao ator toda a solenidade estilística da tradição clássica. Vestido com trajes teatrais, ele posa como um protagonista da cultura ocidental. Lugar que lhe pertence.
Valentine Godé-Darel na Cama do Hospital (1914), de Ferdinand Hodler 🖤
Ferdinand Hodler nos leva a um retrato doloroso e íntimo: Valentine Gode-Darel, sua companheira, retratada em seus últimos dias, acamada e frágil. Diferente de todos os outros, este retrato é um testamento de amor e perda.
A paleta é sóbria e o corpo de Valentine parece se dissolver no leito. Hodler não busca idealizar, mas mostrar a vulnerabilidade da existência. Uma imagem que nos lembra: por trás da pose, há sempre um humano, com suas dores e silêncios.
Lawdy Mama (1969), de Barkley Hendricks ✊🏿
Temos aqui um retrato de Kathy Williams, prima anônima do artista. O fundo dourado evoca os ícones bizantinos e confere a ela um ar sagrado e atemporal. A modelo encara o espectador com uma mistura de orgulho e introspecção, como se soubesse algo que nós ainda estamos tentando descobrir.
Ao retratar corpos negros com tanto respeito e intensidade, Hendricks desafiou as convenções da arte ocidental, marcada por séculos de exclusão e idealização branca. Esta obra é um exemplo da sua afirmação visual de identidade e beleza.