A Morte de Marat (1793), de Jacques-Louis David 🔪
Quando propaganda e arte se fundem.
Na tarde de 13 de julho de 1793, Paris fervilhava com a agitação revolucionária. Em meio a esse cenário tumultuado, uma tragédia se desenrolava na calma aparente de um quarto particular.
Jean-Paul Marat, jornalista conhecido por suas posições radicais e pela publicação do incendiário jornal L'Ami du Peuple, encontrou seu fim de maneira trágica. Sua assassina? Charlotte Corday, uma jovem que considerava sua morte um serviço à França.
Marat sofria de uma doença crônica de pele que o obrigava a passar longas horas imerso em banhos medicinais. Mesmo diante de sua enfermidade, não hesitava em pedir a cabeça de qualquer crítico dos Jacobinos.
Foi nesse cenário que Corday, com a desculpa de entregar uma lista de traidores, conseguiu acesso ao revolucionário. Após uma breve conversa, ela o esfaqueou fatalmente no peito, transformando aquele pequeno cômodo no palco de um dos mais emblemáticos assassinatos da história francesa.
A cena brutal foi imediatamente transformada em símbolo.
A arte da propaganda 📢
Jacques-Louis David, amigo próximo de Marat e um dos principais artistas da época, foi incumbido de criar uma obra que eternizasse a memória do revolucionário. Em apenas três meses, David produziu A Morte de Marat, uma pintura que transcendeu seu propósito inicial de memorial e se tornou uma poderosa propaganda da Revolução Francesa.
David simplificou a cena aos seus elementos essenciais. Com 1,65m de altura por 1,28m de largura, a obra captura o momento imediato após o assassinato.
Ele removeu a decoração ornamentada do banheiro de Marat e a substituiu por um vazio escurecido. O fundo monocromático realça a solenidade do momento, concentrando a atenção do observador na figura de Marat, iluminada suavemente.
O corpo de Marat, com seu braço caído em primeiro plano, evoca associações com a pose do corpo de Cristo ao ser descido da cruz. As marcas da sua doença de pele foram omitidas, e sua expressão é de uma tranquilidade quase sobrenatural.
A banheira, um símbolo de sua vulnerabilidade e sofrimento, se transforma em um altar de sacrifício. Na mão de Marat, a carta de Corday é um testemunho mudo de sua traição, enquanto o sangue que tinge a água da banheira e mancha suavemente as bordas do tecido enfatiza a violência de seu fim.
Reviravoltas 🇫🇷
A pintura foi recebida com aclamação pelos Jacobinos, que utilizaram a imagem de Marat para galvanizar o apoio popular. Exibida publicamente, ela idealizou Marat como um mártir, servindo como símbolo de resistência contra os inimigos da Revolução.
Porém, em 1794, a Revolução Francesa entrou em uma nova fase marcada por uma reação contra o radicalismo. A obra de David caiu em desgraça junto com a memória de Marat.
Ex-líderes Jacobinos foram guilhotinados. O próprio David foi julgado e escapou da morte apenas renunciando às suas atividades. Ele foi preso duas vezes antes de ser libertado em 1795.
Temendo pela integridade de sua obra, David decidiu escondê-la de possíveis destruições. Foi apenas no século XIX que a pintura foi redescoberta e reavaliada, destacando-se não apenas como um documento histórico, mas também como uma obra-prima artística.
Não deixe de conferir 🔍
Passados mais de 200 anos dos eventos da Revolução Francesa, A Morte de Marat é um ótimo (e possivelmente raro) exemplo de quando propaganda se torna grande arte. Um marco artístico que continua a fascinar e inspirar.
A obra costuma receber homenagens e referências em diferentes mídias, abaixo selecionamos três:
🗑️ Marat-Sebastião (2008), de Vik Muniz: parte da série Pictures of Garbage, a obra recria a pintura a partir de materiais encontrados no lixo. Na ocasião, o revolucionário é substituído por um catador chamado Sebastião. O lixo, antes associado à morte, ganha vida em forma de arte com Muniz e se transforma em sobrevivência para os catadores.
😱 The Death of Marat (2011), de He Xiangyu: o artista conceitual criou uma escultura em tamanho real do corpo de Ai Wei Wei, outro artista chinês que é perseguido pelo governo de seu país. Quando exibida na Alemanha, a obra causou pânico com seu realismo ao ser confundida com um cadáver real.
📹 Lady Gaga: The Death of Marat (2013), de Robert Wilson: vídeo retrato estreado no Museu do Louvre. Ao longo de dois minutos, a imagem vai lentamente se modificando enquanto a voz da cantora Lady Gaga recita um poema ao fundo. Em 2021 foi colocada à venda como NFT.