Cinco Moças de Guaratinguetá (1930), de Emiliano Di Cavalcanti 👩🏾
A identidade popular brasileira.
O que torna uma arte genuinamente brasileira? Em Cinco Moças de Guaratinguetá, Di Cavalcanti nos leva a um um Brasil de 1930, marcado por cenas cotidianas, cores vibrantes e personagens que refletem a alma popular do país.
Parte do acervo permanente do MASP, a obra e seu criador são os assuntos de hoje na Arte da Semana na PIRA27. Explore essa história com a gente:
Jornada modernista 🎨
Na infância, Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque Melo era apenas Didi. O apelido se reduziu a Di. E o nome artístico Di Cavalcanti se tornou um dos maiores do Modernismo Brasileiro.
Nascido em 1897, no Rio de Janeiro, na casa do tio abolicionista José do Patrocínio, cresceu entre acordes de música clássica e páginas de literatura. Foi nesse ambiente que começou a desenhar o Brasil que carregaria para sempre em sua obra.
Aos 12 anos, já rabiscava versos e caricaturas. Aos 17, virou ilustrador de revistas e livros, inaugurando uma carreira de protagonismo na arte brasileira.
Em 1917, mudou-se para São Paulo. Na capital paulista passou a conviver com intelectuais e artistas como Mário de Andrade, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida e Monteiro Lobato.
Nesse universo, Di Cavalcanti é tido como o mentor da ideia que resultaria no grande marco do Modernismo Brasileiro: a Semana de Arte Moderna.
O Centenário da Independência do Brasil era a oportunidade ideal. Em 1922, os modernistas deram um novo grito de emancipação, agora artística.
Rompendo com os cânones acadêmicos, pretendiam criar formas que pudessem ser consideradas brasileiras. Para o evento, Di Cavalcanti apresentou 12 trabalhos, além de criar o catálogo da exposição.
O artista era o único entre os modernistas que ainda não havia tido contato direto com a arte europeia, pois nunca viajara ao exterior. Após a Semana, o dinheiro da venda de algumas obras virou passagem para Paris.
Da Europa ao Brasil ✈️
Na França, Di Cavalcanti montou um pequeno ateliê e se aprofundou nas vanguardas artísticas. Lá também conheceu e passou a conviver com figuras como Blaise Cendrars, Jean Cocteau, Pablo Picasso, Georges Braque e Henri Matisse.
O contato com Picasso, de quem se tornou amigo até a morte do espanhol, moldou definitivamente sua linguagem visual: cores intensas, formas simplificadas e curvas sinuosas passaram a dominar suas telas.
A influência do Expressionismo Alemão, especialmente da obra de George Grosz, reforçou no artista o desejo de denunciar as questões políticas e sociais do Brasil. De volta ao país, ele adotou uma temática nacionalista, com forte preocupação com o povo e a identidade brasileira.
A partir da década de 1930, Di Cavalcanti assumiu um papel singular na pintura nacional, ressaltando a relação entre produção artística e o compromisso social. O samba, a favela, o malandro, a mulata, as prostitutas e os bares boêmios do Rio de Janeiro tornaram-se em personagens recorrentes de sua obra.
O artista via a arte como uma forma de participação social . Desafortunadamente, essa atuação intensa e crítica o levou à prisão três vezes durante a ditadura do Estado Novo.
O cotidiano brasileiro 🇧🇷
Entre as décadas de 1920 e 1940, Di Cavalcanti produziu algumas de suas pinturas mais emblemáticas. Em parte dessa obra, retratou mulheres em momentos de lazer ou repouso, oscilando entre o prazer e a melancolia.
Inclui-se nesse grupo Cinco Moças de Guaratinguetá, um quadro que transmite uma atmosfera de vida simples. Essa sensação se revela na suavidade da composição e em detalhes como o muro à direita, com tijolos expostos e desgastados pelo tempo.

As cinco personagens preenchem a tela em um arranjo equilibrado. Duas estão à frente: uma encara o observador, enquanto a outra surge de perfil. No segundo plano, a disposição se repete em espelho. Ao fundo, reclinada na janela, a quinta figura tem um olhar distante e sonhador.
As moças exibem tons de pele e vestidos de diferentes cores. O jogo cromático típico de Di Cavalcanti aparece nas transições tonais, criando volume e profundidade.

As cinco mulheres posam como em um retrato. O ponto de vista próximo aos personagens reforça o lirismo e a empatia do observador.
Nenhuma delas troca olhares, cada uma mira um ponto distinto. Ainda assim, o desenho conecta os corpos por linhas retas e curvas, guiando o olhar do espectador de forma fluida.
A cena é repleta de detalhes, do desenho dos figurinos aos chapéus cloche, dos vestidos estampados aos elementos arquitetônicos. Essa riqueza visual dá ao quadro um tom particular: singelo, mas dinâmico; brejeiro, mas austero.

O mistério das moças 🎪
Uma hipótese encantadora sugere que as mulheres de Cinco Moças de Guaratinguetá seriam da família do palhaço Piolin, ícone do circo brasileiro. Recentemente, foram identificadas como Benedita, ao fundo, e suas filhas Albertina, Ariel, Áurea e Aiola Pinto.
Aiola, acrobata, comediante e equilibrista do circo, também aparece em Menina de Guaratinguetá. Essa ligação com a cultura popular reforça o modernismo como celebração das raízes brasileiras.
Os tipos populares são marcas essenciais de um artista que soube transformar influências externas em uma linguagem brasileira. Um criador que via a figuração como uma ferramenta política e histórica para representar o Brasil e seu povo.
Após rodar o mundo com seu trabalho e se tornar amigo dos grandes artistas e escritores de sua época, Didi faleceu em 1979. Hoje, sua produção, estimada em cerca de 9.000 obras entre pinturas e desenhos, está espalhada por museus no Brasil e no exterior, além de integrar coleções particulares na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa.