Como La La Land me fez pensar sobre a beleza de continuar sonhando đ
La La Land e a queda de um império.
A atriz Fernanda Torres disse uma vez em uma entrevista que tinha medo de perder o interesse pela vida. Isto Ă©, a morte encontra-se ainda em vida.
Dessa forma, enquanto nos mantemos interessados, curiosos e inquietos, cultivamos a capacidade de continuar sonhando. E isso significa permanecer vivo em vida.
Ă primeira vista, La La Land pode ser apenas mais um filme que homenageia Hollywood e os grandes clĂĄssicos do gĂȘnero. O musical de Damien Chazelle Ă© uma carta de amor a Los Angeles e Ă indĂșstria cinematogrĂĄfica estadunidense.
Entretanto, nĂŁo se limita a isso. Sendo um natural, e quase inconsciente, reflexo da perda do referencial recente do Sonho Americano.
O longa possui alguns grandes nĂșmeros em plano-sequĂȘncia, incluindo uma icĂŽnica abertura nos gigantes viadutos das rodovias arteriais de Los Angeles. Esse DNA do filme se perde em certo ponto em que se esquece do que Ă©, ou na verdade, se debruça mais na histĂłria particular dos protagonistas do que com sua alegoria geral.
Os protagonistas, interpretados por Emma Stone e Ryan Gosling, sĂŁo jovens com almas inquietas pela arte. Ambos invisĂveis e inconformados pela falta do tĂŁo almejado reconhecimento, vivendo Ă sombra do que um dia jĂĄ foi Hollywood.
Ele na sombra dos Ășltimos suspiros do Jazz e ela na penumbra dos roteiristas dos teatros e dos cinemas. Essa perseguição pelos seus sonhos os coloca em um romance que serve de apoio e inspiração, mas tambĂ©m como um orĂĄculo.
Em constante conflito, eles lembram um ao outro do porquĂȘ estĂŁo tentando e de suas hipocrisias, por violarem suas intençÔes e princĂpios. Independentemente do drama dos personagens e de seu final agridoce, o filme Ă© uma linda homenagem ao passado.
AlĂ©m das performances e da referĂȘncia de cenas icĂŽnicas da era de ouro do cinema americano, como da fotografia mĂĄgica, quase que pintada pelo prĂłprio Norman Rockwell, La La Land figura como um suspiro de melancolia por um tempo que acabou. Sabemos disso ao ver a histĂłria passar por nossos olhos como se tudo fosse uma fantasia.
O filme se permite avançar a linha do real para o imaginĂĄrio, tornando-se contemplativo e saudosista ao mĂĄximo. A ponto de literalmente dançar nas estrelas â referĂȘncias direta do musical Moulin Rouge â e evocar elementos do clĂĄssico Singingâ in the Rain.
Chazelle tambĂ©m deixa isso claro no uso das cores ao longo de toda a fotografia do filme â que entram na disciplina da psicologia das cores, mas tambĂ©m nas estaçÔes, no decorrer da trama. Tudo como alegoria, como imagem, quase distante, como se estivĂ©ssemos vendo tudo de um ponto de vista futuro, olhando para o passado.
Ă possĂvel sentir, nos ossos ou atrĂĄs da cabeça, que Chazelle vĂȘ sua referĂȘncia distante e idealizada sendo reproduzida no presente. La La Land funciona como um tributo a um descolamento cultural do que jĂĄ se foi, e para o que estĂĄ por vir. Uma era que chega eu fim.
Hoje, olhando em retrospectiva, era de fato algo que os Estados Unidos iria enfrentar um pouco mais a frente. Mas que jĂĄ dava sinais de esgotamento. A perda do referencial cultural construĂdo no prĂłprio solo e exportado para o mundo durante muitas dĂ©cadas, no que foi o impĂ©rio mais globalizado da nossa histĂłria.
Na mesma época de lançamento do filme, a cantora Lana Del Rey lançou seu quinto ålbum, Lust for Life, em que aborda, entre outras coisas, a situação de tensão na sociedade estadunidense. Definia entre muitos termos a desilusão com o Sonho Americano.
Nesse ponto, cita-se Del Rey pelo fato de ser uma das maiores expoentes de um disseminado amor por Los Angeles e por tudo que isso representa. Sendo esse disco o momento em que a cantora considera abandonar a cidade e a fama, que foi algo que sempre quis, para uma vida diferente e mais simples.
Em uma das mĂșsicas, Lana diz que no passado, por mais que o mundo estivesse em guerra nĂłs apenas continuĂĄvamos dançando. Referenciando o momento em que a contracultura, como o Woodstock e a cultura Hippie, ajudaram no fim da Guerra do VietnĂŁ.
Assim como a arte pode ser pessimista demais ou otimista demais, todas essas obras citadas, direta ou indiretamente, que culminam em La La Land, possuem uma romantização do passado de uma forma positiva. Mesmo em contraponto, quando tudo acaba e sĂł resta a memĂłria que Ă© algo impossĂvel de se precificar, isto Ă©, legado e influĂȘncia.
Toda a alegoria e a paisagem, ou como a vemos, é o personagem principal e o fio condutor dessas obras. ProduçÔes que olham muito para o passado, mas que dizem mais sobre o seu presente.
De fato, poucas coisas são tão eternas quanto a cultura. Mesmo quando estruturas de poder colapsam ou quando talvez a economia não seja mais tão favoråvel, é a cultura que permanece relevante. Os impérios caem e a cultura fica.
Sua influĂȘncia atravessa sĂ©culos e geraçÔes, afetando as decisĂ”es e os sentimentos de uma sociedade. A arte tem capacidade de nos mover para lugares, para tempos e amplificar nossa vivĂȘncia. Esse patrimĂŽnio imaterial Ă© sentido de forma intrĂnseca e diferente em cada indivĂduo, e em cada parte do mundo.
De uma forma simples, as Ășnicas coisas que de fato sĂŁo reais sĂŁo os sentimentos, a cultura e o tempo. Essas sĂŁo as Ășnicas coisas que existem independente das circunstĂąncias.
E os sonhos sĂŁo um farol que dĂĄ sentido mais lĂłgico a tudo isso. Dessa forma, La La Land vai um pouco alĂ©m da mĂșsica e da dança. Mas afinal, de verdade, o que temos feito esse tempo todo se nĂŁo sonhar, dançar e cantar?
Entre momentos bons ou devastadores a arte esteve tĂŁo prĂłxima de nĂłs quanto nosso prĂłprio suspiro. E como Lana del Rey, canta em uma de suas mĂșsicas: ânĂŁo vamos parar de dançar atĂ© morrermosâ.