O fantástico mundo das marcas perfeitas 🐟
Do espetáculo das vitrines digitais ao peso da vida real dos negócios.
De uns tempos pra cá, como sócio-fundador e diretor criativo de um estúdio de branding e design, venho me surpreendendo com certos cases que circulam no nosso mercado. Cada vez mais, parece que parte dos estúdios, agências e profissionais do setor está mais preocupada em como apresentará o case ao mercado do que em atender, de fato, à necessidade do cliente. Não digo isso para generalizar: há excelentes exceções. Mas observo com frequência esse movimento e ele não é pequeno.
Nossa capacidade de subverter as regras do mainstream e de responder às dores reais dos negócios parece ter cedido espaço a uma plateia digital, formada por leigos e especialistas, sempre prontos a aplaudir, vaiar ou comentar cada nova marca no palco. Nesse espetáculo, o cliente, que deveria ocupar o assento central, ao lado de seus consumidores, acaba perdido em meio a uma multidão barulhenta.
Ao longo dos últimos anos, tive contato com muitos trabalhos apresentados como resultado de meses de estudo. Como atuante neste mesmo ofício, sempre procurei olhá-los com a calma de quem pesquisa, em busca de algo a aprender ou absorver. A surpresa, não poucas vezes, foi perceber que há mais lições de “como não fazer” do que de práticas a replicar.
O que se vê com frequência? Estudos de posicionamento que definem o óbvio — “somos especialistas em nosso segmento”, como se isso fosse diferencial estratégico. Brandbooks que não passam de PDFs ilustrados, sem diretrizes reais de implementação. Arquivos finais entregues em pastas confusas, sem regra de nomenclatura, dificultando a vida de quem vai operar a marca. Fontes comuns de mercado apresentadas como se fossem criações autorais. Rascunhos forjados em papéis de luxo para dar ares de autenticidade ao que nunca foi rabiscado. Uma série de entregas que, quando desfolhadas, revelam pouca consistência estratégica e quase nenhum cuidado com a robustez do sistema visual.
Enquanto isso, nas redes sociais e nos portfólios, reina um espetáculo visual à parte. Renders impecáveis, mockups sedutores, vídeos coreografados para todas as telas possíveis. Uma estética que encanta, mas que muitas vezes não pertence à vida real do cliente. Sim, mockups são um laboratório necessário. Mas há uma diferença entre experimentar possibilidades e criar um universo paralelo que só existe para brilhar em Behance, sites ou Instagram.
De que adianta uma marca que emociona no portfólio, mas engasga no PowerPoint da equipe comercial ou na impressão do material de PDV? No fim, não se trata de estética para autopromoção, mas de construir ferramentas reais para que empresas trabalhem com liberdade, consistência e longevidade. Somos engenheiros, construtores, arquitetos de sistemas de identidade que precisam sustentar a marca em cada esquina, por muitos anos, e não apenas na fotografia final da entrega.
Outro ponto que chama atenção é a euforia em torno dos rebrandings, celebrados como se fossem o divisor absoluto entre sucesso e fracasso de uma empresa. Não há dúvida: branding gera valor e retorno. Defendo isso com convicção e é justamente por isso que, internamente, com pesquisadoras e programadores, desenvolvemos uma solução inovadora para medir esse impacto. Mas seria ingênuo acreditar que a marca resolve tudo.
Negócios sólidos sobrevivem até mesmo a identidades frágeis, enquanto empresas frágeis não são salvas nem pela identidade mais premiada do mundo. O branding potencializa, mas não substitui gestão, estratégia e produto.
Talvez por isso estúdios como a Pentagram permaneçam sendo faróis de referência. Décadas de atuação mostram que a essência não está em agradar algoritmos nem em colecionar likes, mas em compreender a real necessidade do cliente. Se precisa ser simples, será. Se ousado, será. Se o ajuste for mínimo, está tudo certo. O que guia o processo é a sensibilidade do criativo, com o apoio de muitos dados, em perceber o que faz sentido para o cliente e para o mercado e não para o próprio portfólio. No Brasil, temos excelentes estúdios e profissionais que também são referência nesse mesmo cuidado.
No fim, pode parecer óbvio. Mas não é. Num cenário em que “parecer” tantas vezes substitui o “ser”, o desafio maior é devolver às marcas a condição de existirem com verdade, consistência e propósito. Branding não é fantasia de vitrine. É uma estrutura silenciosa, feita para resistir quando as luzes dos portfólios se apagam e começa o verdadeiro teste: o dia a dia dos negócios.