Três de Maio de 1808 em Madrid (1814), de Francisco Goya 🇪🇸
Uma noite de horror na capital espanhola.
Na madrugada do dia 3 de maio de 1808, Madrid estava tomada pela violência. A cidade despertou com um horror que jamais seria esquecido: uma série de fuzilamentos de pessoas anônimas e inocentes.
Este acontecimento está por trás de um dos maiores gritos contra os horrores da guerra já feitos por um artista. Para entender mais sobre esse contexto e a obra em si, fique com a gente nessa edição da Arte da Semana.
A Espanha na Sombra de Napoleão ⚔️
Para entender melhor essa obra, é necessário voltar no tempo, para a Espanha do início do século XIX. Em 1808, a Europa estava em chamas.
Napoleão Bonaparte, autoproclamado imperador dos franceses, em sua campanha para conquistar o continente, ocupou a Espanha. Inicialmente recebido com alguma cooperação pela elite local, o exército francês logo se tornou um símbolo de opressão e violência.
Madrid, a capital, tornou-se o epicentro de uma revolta popular contra os invasores. No dia 2 de maio, a população se armou com facas, ferros de marcar gado, ferramentas domésticas – qualquer coisa que encontrassem – e atacou.
A cavalaria foi convocada para sufocar a rebelião, e combates violentos ocorreram por toda a cidade. Mal armados e sem liderança, os insurgentes foram brutalmente esmagados pela força militar francesa.
A resposta não tardou. Durante toda a noite após o ataque, e nas primeiras horas da manhã seguinte, os franceses executaram, sem julgamento, centenas de pessoas capturadas.
A população de Madri, desencaminhada, se entregou à revolta e ao assassinato. Sangue francês foi derramado. Isso exige vingança. - Joaquim Murat, Tenente-General francês.
O Horror da Guerra 🩸
O pintor Francisco Goya, que morava nas proximidades, foi profundamente impactado pelos eventos. Quando as tropas de Napoleão foram expulsas em 1814, ele aproveitou a oportunidade para registrar o que acontecera naqueles dias.
O artista produziu duas grandes telas que relembram os brutais eventos de 2 de maio e 3 de maio de 1808. As obras sugerem uma compreensão profunda e íntima do sofrimento que presenciou.
Em três de maio, a mais proeminente delas, somos imediatamente atraídos pela figura central: um homem comum, vestido com uma camisa branca, de braços abertos, confrontando a morte com uma mistura de desespero e resignação.
Ao redor dele, outros condenados aguardam seu destino. O tempo está congelado, mas o desfecho é certo.
Em poucos segundos, o grupo terá caído e será substituído por outro que sobe a colina para enfrentar o pelotão de fuzilamento. A composição é habilmente organizada para que nossos olhos sigam de uma figura a outra, sentindo a tensão e o medo que permeiam a imagem.
Os soldados, com suas costas voltadas para o espectador, formam uma linha impenetrável, com seus rostos ocultos pelas sombras e pelos chapéus. Eles são desprovidos de identidade, como uma força coletiva que age sem remorso.
O espectador não encontra dificuldade em sentir vividamente os sons da cena: um grito de angústia, os gemidos abafados, as explosões dos rifles. Algo notável levando em consideração que Goya era surdo.
A luz que ilumina a cena não vem do céu, mas de uma lanterna colocada no chão, destacando a expressão de horror do personagem principal. A cidade de Madrid, ao fundo, é sombria e irreconhecível, como se fosse um cenário de pesadelo.
A escolha de Goya de representar o evento à noite, não foi acidental. A escuridão que domina a maior parte da tela não é apenas física, mas simbólica.
A paleta de marrons, pretos e cinzas reforça ainda mais a sensação de claustrofobia e desesperança. Goya pintou de forma solta, manipulando a tinta de maneira dinâmica. Além de pincéis, era comum que ele utilizasse espátulas e os próprios dedos.
Um Marco na Arte Ocidental 🏛️
O impacto emocional da tela é intensificado pela maneira como Goya rompe com as convenções artísticas de sua época. Ele abandonou a tradição da pintura histórica que glorificava heróis e feitos grandiosos, recusando-se a romantizar a violência.
Em vez disso, Goya colocou no centro de sua obra o sofrimento de pessoas comuns. Ele fez uma denúncia, um clamor contra a desumanidade que a guerra desencadeia, abrindo caminho para uma arte como meio de crítica social.
Não é de surpreender que essa obra tenha influenciado profundamente artistas posteriores. Édouard Manet e Pablo Picasso, por exemplo, criaram pinturas diretamente influenciadas pela composição de Goya.