Criativos brasileiros, perdemos nossa maior qualidade 🫤
Nos tornamos globais, infelizmente.
Sejamos honestos. Faz tempo que está chato. Ou melhor, faz tempo que estamos chatos. Perdemos a graça. Perdemos aquilo que nos fazia brilhar. Perdemos a maior qualidade dos criativos brasileiros. Afastamos o que nos fazia irradiar mundo afora. Afastamos grandes mentes do nosso próprio mercado, como Marcello Serpa e o eterno Washington Olivetto. Nos afastamos de nós mesmos, brasileiros.
Dizer isso em 2025, ano em que fomos homenageados em Cannes, pode soar deslocado. Afinal, a publicidade brasileira foi celebrada no maior palco do planeta. Houve carnaval nas avenidas francesas. Mas ninguém percebeu que estávamos celebrando mais o passado do que o presente. Era reverência justa, sim. Só que ainda assim ao que já foi construído. Com nome e sobrenome: Washington Olivetto.
A criatividade brasileira atravessa uma fase delicada. Vivemos em plena epidemia da IA, onde a ideia real perdeu valor para o balaio infinito das ideias artificiais. Sofremos com a chatice do politicamente correto fora de hora. E sentimos o pior efeito da globalização em nós: a pasteurização da nossa alma criativa. Continuamos a ganhar prêmios mundo afora. Ouro, prata, bronze, shortlists. Mas ninguém se deu conta de que estamos produzindo publicidade global e não mais publicidade brasileira.
E isso está por toda parte. Publicidade. Design. Audiovisual. Nada mais se destaca em meio à multidão, mesmo sem prêmio. Hoje somos parte dela, mesmo cheios de prêmios. Estamos iguais ao mundo. E esse é o problema. Aquela qualidade que nos fazia únicos sumiu. Para uns era a alegria. Para outros a leveza. Para outros o humor, o borogodó, a cor, o explícito. Seja o que for, perdemos a faísca que nos tornava inconfundíveis.
Marcello Serpa contou ao Bial que um colega francês disse que nenhum dos seus pares faria o que nós fazemos. Não era ofensa. Era elogio. Era prova de que nossas ideias eram únicas, impossíveis de reproduzir. Este ano, ao Meio e Mensagem, ele reforçou: “A propaganda brasileira só é maravilhosa e reconhecida lá fora quando ela é 100%, 120% brasileira, porque é uma coisa diferente do que eles têm. A estética brasileira tem que estar reproduzida na nossa propaganda, deve ser irreverente, alegre, colorida, feliz. Quanto mais local você é, mais internacional você se torna.”

Washington Olivetto, em um de seus últimos discursos no Caboré 2019, disse não saber explicar aos estrangeiros como o país da doçura virou o país da amargura. O que parecia crítica política também serve para nós, criativos daqui.
Nizan Guanaes, que reacendeu a luz com as brilhantes atuações da N.Ideias, escreveu este ano um texto pedindo o óbvio que esquecemos: “Propaganda brasileira precisa voltar a ser brasileira”. Um pedido claro para voltarmos a falar a nossa língua.
Mas essa qualidade não se perdeu apenas nos filmes de Cannes ou nas grandes campanhas. Ela se perdeu entre nós. No dia a dia. No discurso, na reunião, nos eventos, nas mídias, nos briefings, nos feedbacks.
Nos perdemos quando preferimos as mesmas referências digitais ao rascunho no guardanapo. Quando trocamos simplicidade por complexidade. Quando substituímos nossas palavras por termos em inglês. Quando achamos que cursos digitais e posts de Instagram podem nos ensinar sobre o que é criação. Quando ousamos criticar marcas longevas e lucrativas enquanto idolatramos nativas digitais recém nascidas. Quando decidimos imitar em vez de criar. Quando pensamos mais nos cliques do que no sentimento. Quando acreditamos que ser global era melhor do que ser brasileiro.
O Brasil continua sendo celeiro de talentos e de empresas extraordinárias. Mas se não reaprendermos a sambar com guaraná na mão e havaianas no pé, vamos desaparecer. Seremos, enfim, globais. E nada mais brasileiros.
E escrevo tudo isso sabendo que também é sobre mim. Uma autoreflexão necessária. Afinal, já falei sobre isso em dois textos anteriores: “A coragem para ser ingênuo” e o pedido final no texto sobre Cannes, “Nossos brasileiros favoritos em Cannes 2025”.


